quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A Ford na Bahia. Um exemplo de neocolonização e subserviência

"Povo que não tem virtudes termina por ser escravo"
Eu sou professor do Curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal da Bahia. Contando com a vinda da Ford começamos logo a fazer projetos de reestruturação do curso com foco na área automotiva, não era só a Ford, vinham mais 32 sistemistas. Hoje o desencanto é geral, já com a fabrica produzindo, verifica-se uma espetacular obra de predação ao estado. Mesmo com a procura insistente por parte de alguns professores deslumbrados, até hoje não existe qualquer relação, ou mesmo proposta, da Ford ou das sistemistas, com Escola Politécnica, que é a escola que reúne os cursos de engenharia na Universidade Federal da Bahia. A medida que vamos conhecendo melhor o empreendimento e as relações da montadora com a comunidade vamos percebendo, até com surpresa, a postura absolutamente avarenta, senhorial e assimétrica. É só "venha a nós o vosso reino" ou, seguindo a doutrina de Kennedy, "Não perguntes jamais o que a Ford pode fazer pela Bahia, mas sim o que a Bahia pode fazer pela Ford" Todo o universo, empresa mais fornecedoras, não absorveu mais que 20 engenheiros formados aqui na Bahia, a maioria vem de fora. Os salários são baixos, estão na faixa de R$ 1.500,00 a R$ 2.500,00 com um nível mínimo de assistência. A fábrica está localizada no complexo industrial de Camaçarí que abriga o Pólo Petroquímico, distante cerca de 55 km de Salvador. Pois a Ford não oferece nenhum tipo de transporte aos seus funcionários, ao contrário das outras empresas petroquímicas do complexo que transportam os seus trabalhadores, conforme é, aliás, tradição nas relações de trabalho em industrias que tem alguma distância do centro urbano. A Ford, o que fez em relação a esta prática? Foi exigir que a prefeitura de Camaçari, cidade que dista 7km. do distrito industrial do Pólo, construísse uma ciclovia, de Camaçari até a fábrica. Os empregos foram criados, em grande parte, no exterior. Por exemplo, a sistemista responsável pela pintura, uma empresa americana, trouxe todos os funcionários de nível, do México e dos Estados Unidos e pelo jeito que este pessoal está comprando residências, e trazendo a família, vieram para ficar, pelo menos, por algum tempo. Para os baianos restaram as vagas de emprego primário muito mal remuneradas, média de 500,00 reais quando as mesmas funções, em São Paulo, valem de 1.200,00 a 1500,00, no pólo petroquímico a média de funções equivalentes é de 760, 00 reais (e sem transporte, de Salvador, ou mesmo Camaçari, até a fábrica). As facilidades criadas para estimular a instalação da montadora mostram uma singular lição de subserviência e levaram a algumas concessões que são absolutamente escandalosas. A Ford exigiu, e obteve (aliás ganhou tudo o que quis, deve estar arrependida de não haver pedido mais) um contrato de financiamento de capital de giro no qual o Estado Tupiniquim, vejam só! Compromete-se a financiar um montante equivalente a 12% do faturamento bruto da empresa, oriundo das operações com produtos nacionais ou IMPORTADOS comercializados na Bahia. (é por isto que o pátio da empresa, estrategicamente escondido aos acessos normais da fábrica, está repleto de automóveis Ford Focus e camionetes Ranger vindos da Argentina, antes desembarcados em São Paulo que alem de ser o centro consumidor fica muito mais perto da procedência) Aqui vai um comentário; Apesar desta operação estar travestida de financiamento de capital de giro, na prática ela representa um incentivo fiscal, uma vez que o financiamento corresponderá ao total do ICMS devido, com prazo para pagamento de 22 anos, sendo que sobre este valor não incidirão juros e correção monetária e ainda poderá ser liquidado antecipadamente com descontos nunca concedidos em nosso sistema financeiro. É um exemplo de renuncia fiscal jamais visto. Pode parecer, mas os números não estão errados, foram obtidos através de um relatório interno do Tribunal de Contas do Estado (TCE). É uma facilidade tão imoral que não prevê qualquer correção, mesmo com o pagamento em 22 anos, após o qual se fará no valor histórico e com a possibilidade de desconto que pode alcançar a totalidade do débito. Que nome pode se dar a isto que não seja "doação". O que não está no contrato mas deve constar no acordo é o compromisso das espetaculares obras de infra estrutura, exigidas, ao capricho, pela Ford. Para construir o porto exclusivo da Ford, o estado da Bahia está pagando R$ 31 milhões á construtora Norberto Odebrecht. terá uma área de estacionamento com capacidade de 6000 veículos mas nem aí serão criados empregos porque a empresa que vai administrar o porto e operar os equipamentos é norte-americana, a Crowley, emprego nacional só para a mulher do cafezinho e para o vigilante. A malha viária, no entorno da fábrica, foi reconstruída segundo a exigência, de tal forma que as estradas que dela fazem parte, são hoje as mais perfeitas do país. A terraplenagem da fábrica, os acessos e o resto da infraestrutura também foram doados pelo Estado. Para atender a todas as imposições da montadora, incluindo o empréstimo, outra doação! conseguir financiar o compromisso, e honrar o acordo de vassalagem, o Governo da Bahia desviou o seu orçamento diminuindo flagrantemente o investimento social. A Educação e a Saúde encontram-se em um verdadeiro caos na Bahia (é proibido reprovar nas escolas estaduais, mesmo os alunos que não comparecem as provas passam de ano. O estado não pode arcar com o custo de reprovação). Mas agora vem o pior, pasmem! A região metropolitana de Salvador que já era recordista nacional de desemprego, teve, segundo relatório do DIEESE e também do IBGE, o índice de desemprego aumentado no ano passado, enquanto no mesmo período o desemprego na região metropolitana de Porto Alegre diminuiu! E vejam que ironia! Através do mesmo relatório, declara, que uma das causas deste rebaixamento, foi o crescimento da industria de substituição de produtos importados. Se o Governo tivesse aplicado um terço do que deu a Ford para o desenvolvimento de uma industria nacional, a Gurgel, por ex., eu não tenho duvida que em cinco ou seis anos o Brasil estaria exportando automóveis desenvolvidos com tecnologia endógena. É quixotesco? Quem foi que desenvolveu a tecnologia do motor 1000 ? Hoje a maior revolução na industria automotiva nacional. Há trinta e seis anos, a Coréia era um Paraguai em relação ao Brasil (que este exemplo sirva de estímulo ao nosso simpático vizinho).Quem não tem idéia do que é a Coréia hoje poderá conhece-la através das transmissões da Copa do Mundo. Tem Ford na Coréia? Mas tem fábrica Coreana nos Estados Unidos. Ao escrever este artigo duas frases me vem a lembrança que retratam o emblema desta contradição, uma eu encontrei em entrevista do Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, à revista Exame quando ele declara.... não ser mais necessário realizar grandes investimentos em desenvolvimento de tecnologia pois esta já esta pronta lá fora, basta traze-la para o Brasil......, a outra eu busquei na letra do hino do Rio Grande, prega o seguinte: "Povo que não tem virtudes, termina por ser escravo"
*Iberê Luiz Nodari é professor do Departamento de Engenharia Mecânica, Escola Politécnica Universidade Federal da Bahia. Email: nodari@ufba.br

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