quinta-feira, 23 de outubro de 2008

UM “SUBIMPERIALISMO” BRASILEIRO NA AMÉRICA DO SUL?

A expansão de capitais, mercadorias e serviços de origem brasileira pela América do Sul tem causado sérios embaraços para a diplomacia brasileira. O protesto boliviano contra a presença econômica brasileira no país é apenas mais um capítulo da oposição gerada entre os países vizinhos contra a expansão econômica brasileira pela região. As recentes ações contra empresas brasileiras que exploram recursos naturais do país como minério de ferro e gás natural, não são apenas atos isolados do governo Evo Morales, mas contam com expressivo apoio da população boliviana.A principal atingida pela nacionalização da exploração dos recursos naturais bolivianos foi sem dúvida a estatal brasileira Petrobras. A multinacional Petrobras forma verdadeiro monopólio regional ao atuar na exploração, refino, transporte e distribuição de petróleo e gás natural na maioria dos países sul-americanos. Quando é a Shell ou uma das outras “Grande Irmãs” quem expandem seus negócios pelo mundo, chamamos isto de imperialismo. Mas não parece se passar algo diferente com a atuação da Petrobras.Mas a presença avassaladora da Petrobras não é a única queixa de nossos vizinhos. Vale lembrar que da própria Argentina – cuja economia é bem maior que a boliviana – partem constantes reclamações da classe empresarial e de políticos locais contra o que consideram uma invasão de produtos e empresas brasileiras com o advento do Mercosul. Inaugurado pelo Tratado de Assunção (1991), o bloco econômico sub-regional tem sido alvo de diversas críticas também dos países de menor desenvolvimento econômico, casos do Uruguai e Paraguai, que exigem compensações comerciais diante do gigantismo econômico de seus parceiros. Curiosamente, quem ajudou a reverter esse clima político regional desfavorável foi justamente o criticado Hugo Chávez ao inserir a Venezuela e suas ricas reservas de hidrocarbonetos no Mercosul. É verdade que as sementes da discórdia regional já estavam lançadas desde o Tratado de Tordesilhas (1491), que dividia as terras a serem oficialmente descobertas no Novo Mundo entre as Coroas de Portugal e Espanha. Portugal foi continuamente “empurrando” os limites oficiais para oeste, alegando o princípio do uti possidetis, a terra deve pertencer a quem de fato a ocupa. Nesse processo expansionista, a pecuária e a extração da borracha foram atividades econômicas fundamentais para a colonização portuguesa de áreas interiores do continente, e que mais tarde, por exemplo, daria vazão à Questão do Acre, que resultou na amputação territorial (outra vez!) da sofrida Bolívia.Coisas do passado? Atualmente, estima-se mais de 15 mil brasileiros em atividade seringueira no Departamento de Pando, na Bolívia amazônica, e um número ainda mais expressivo de colonos brasileiros voltados para a agricultura comercial próximos da fronteira com o Mato Grosso do Sul. No Paraguai são dezenas de milhares de "brasiguaios" instalados principalmente na agricultura, e também expressivo o número de orizultores e pecuaristas gaúchos em terras uruguaias.O passado de regimes militares também reforçou o clima de desconfiança entre os países da região. A própria construção da hidrelétrica binacional de Itaipu entre Brasil e Paraguai ganhou à época ferrenha oposição de Buenos Aires que alegava necessidade de ampliar a discussão quanto ao uso do potencial energético da Bacia do Paraná de modo a preservar seus interesses nacionais. Para piorar o quadro, a geopolítica brasileira do período era fortemente influenciada pelo pensamento do General Golbery do Couto e Silva, quem defendia abertamente a ampliação da influência brasileira na Bacia do Atlântico Sul e em particular na América do Sul.A redemocratização do continente não trouxe a “paz perpétua” entre os países sul-americanos. Nas últimas décadas, o maior desenvolvimentismo industrial brasileiro em relação a seus vizinhos depende cada vez mais da expansão dos bens e serviços made in Brazil por toda a região. Vale lembrar que cerca de 2/3 das exportações brasileiras para o Resto do Mundo são de produtos de baixo valor agregado e/ou de elevado consumo de riquezas naturais (soja, minério de ferro, café, calçados, suco de laranja, siderúrgicos, açúcar e celulose), o que demonstra ainda mais a importância do mercado latino-americano para a produção industrial brasileira.Não é segredo que as políticas desenvolvimentistas brasileiras experimentadas ao longo do último meio século se valeram da criação de empresas estatais (principalmente indústrias de base como refino e petroquímica) e também da atração de subsidiárias de transnacionais norte-americanas, européias e asiáticas (principalmente indústrias de bens de consumo duráveis como automobilística e eletroeletrônica). A motivação dessas grandes empresas em estabelecerem filiais no Brasil era determinada pela expressividade do mercado interno brasileiro, mas também pela facilidade de acesso aos demais mercados latino-americanos. Esse processo foi experimentado pela Argentina, mas em escala bem menor que a verificada no Brasil, daí também a explicação do “mau humor” dos hermanos em relação à hegemonia comercial brasileira no Mercosul.Mais recentemente o Brasil também tem reforçado sua posição de exportador de capitais para os países sul-americanos, através do direcionamento do sistema financeiro nacional para a viabilização da exportação de bens e serviços produzidos no país, beneficiando particularmente grandes construtoras e empresas de maquinário pesado. Esse foi o caso do financiamento bilionário pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Gasoduto Bolívia – Brasil, além de grande parte das obras de integração dos sistemas de transportes e energia que já se anunciam: metrôs de Santiago e Caracas, ramais de gasodutos na Argentina, asfaltamento de rodovias no Peru e na Bolívia, dentre outras. Diante do exposto, é inegável concluirmos que a expansão da economia brasileira (industrial e de infra-estruturas de transportes e energia), de fato, acaba por fortalecer o papel geopolítico do país na América do Sul, e com isto alimenta as desconfianças entre nossos vizinhos acerca do que faremos com esse poder. Para que se concretize o sonho boliviariano (Simon Bolívar foi o libertador do jugo espanhol para diversos países sul-americanos) de integração regional, será necessário ainda gigantesco esforço diplomático envolvendo o Brasil e seus vizinhos, principalmente porque uma América fragmentada tem servido historicamente apenas aos interesses dos países desenvolvidos.

Um comentário:

  1. Gostei muito do texto Profº Rodrigo. Realmente o Brasil pode ser considerado uma potência na América Latina e com isso exerce uma dominação.

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